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domingo, 7 de dezembro de 2008

Thây - "Você nunca nasceu."


Quando você olha para a folha de papel que está lendo, pode pensar que ela não existia antes de ser feita no moinho de papel. Mas há uma nuvem flutuando nesta folha de papel. Se não houvesse nuvem, não haveria chuva e, portanto, nenhuma árvore poderia crescer para nos dar esse pedaço de papel. Mesmo se você não é um poeta, pode ver a nuvem flutuando neste pedaço de papel e se você remover a nuvem, o papel entra em colapso. Olhando profundamente nela, tocando-a profundamente, você pode ver também a nuvem. Poderíamos perguntar se este papel existiu antes de nascer? Ele veio do nada? Não, algo nunca vem do nada. A folha de papel inter-é com o brilho do sol, com a chuva, com a Terra, com a fábrica de papel, com os trabalhadores da fábrica, com a comida que eles comem todo dia. Portanto a natureza do papel é interser. Se você tocar a natureza do papel, toca tudo no cosmos. Antes do seu nascimento na fábrica, o papel era brilho do sol, era uma árvore. Você pode também pensar que quando nasceu, de repente se tornou algo do nada; de ninguém, de repente se tornou alguém. Mas na verdade, o momento do seu nascimento no hospital ou em casa foi apenas um momento de continuação, porque você já existia na sua mãe há nove meses. Isto significa que sua data na certidão de nascimento não está correta. Você tem que voltar nove meses para trás. Portanto agora talvez você acredite que tem a verdade, que o momento de sua concepção é o momento em que você começou a existir. Mas deveríamos continuar a olhar profundamente. Antes do momento da concepção, você era nada, ninguém? Antes disso, metade de você estava no seu pai e a outra metade na sua mãe, em outra forma. É por isso que mesmo o momento da concepção é um momento de continuação. Imagine o oceano com sua multidão de ondas. As ondas são todas diferentes; algumas são grandes, algumas pequenas, algumas são mais bonitas que outras. Você pode descrever ondas de muitas maneiras, mas quando você toca uma onda, está sempre tocando algo mais – água. Visualize-se como uma onda na superfície do oceano. Assista enquanto você está sendo criado – você cresce na superfície, permanece um pouco e então retorna ao oceano. Você sabe que em algum ponto você irá terminar, mas se você sabe como tocar a base de seu ser – água – todos os seus medos irão desaparecer. Verá que como onda, divide a vida da água com todas as outras ondas. Esta é a natureza do interser. Quando você vive apenas a vida de uma onda e não é capaz de viver a vida da água, sofre muito. Portanto a realidade é que você nunca nasceu – se você definir nascimento como se tornar algo de nada, se tornar alguém de ninguém. Cada momento é um momento de continuação. Você continua a vida sobre novas formas, isto é tudo. Quando uma nuvem está prestes a se tornar chuva, não tem medo, porque embora saiba que ser uma nuvem flutuando no céu é maravilhoso, ser chuva caindo nos campos ou no oceano é também maravilhoso. É por isso que o momento que a nuvem se torna chuva não é um momento de morte, mas um momento de continuação. Há pessoas que pensam que podem reduzir coisas a nada. Eles podem eliminar pessoas, podem assassinar alguém como John F. Kennedy, Martin Luther King Jr. ou Mahatma Gandhi, com a esperança que eles irão desaparecer para sempre. Mas o fato é que quando você mata alguém, esta pessoa se torna mais forte que antes. Mesmo esta folha de papel não pode ser reduzida a nada. Você já viu o que acontece quando colocamos um fósforo aceso em uma folha de papel. Não pode reduzi-la a nada, ela continua como calor, cinza e fumaça. Buda e Mara Quando falamos sobre o que Buda é, temos que falar também sobre o que Buda não é. O oposto de Buda é Mara. Se Buda é iluminação, então tem que haver algo que não é iluminação. Mara é a ausência de iluminação. Se o Buda é entendimento, então Mara é desentendimento, e se o Buda é bondade amorosa, então Mara é ódio ou raiva e assim por diante. Se não entendermos Mara, não podemos entender o Buda. Assim como a rosa é feita de elementos não-rosa, o Buda é feito de elementos não-Buda, e entre esses elementos está Mara. Se o lixo não existisse, então a rosa não poderia existir também. Este insight é tão importante que transformou completamente meu entendimento do Buda. Quando você olha para uma rosa, pode vê-la como imaculada e muito bonita. E o oposto da rosa é o lixo, que não é bonito e não cheira muito bem. Mas se olhar profundamente para a rosa, verá que o lixo está nela, antes dela, depois dela e também neste momento. Como isso é possível? Jardineiros não jogam fora o lixo. Eles sabem que com carinho, em apenas alguns meses, o lixo se tornará composto que pode ser usado para fazer crescer alfaces, tomates e flores. Jardineiros são capazes de ver flores ou pepinos no lixo. Além disso, eles sabem que todas as flores se tornam lixo. Este é o significado da impermanência – todas as flores se tornam lixo. Embora ele seja fedorento e desagradável, se você sabe como cuidar dele, pode transformá-lo novamente em flores. Isso é que o Buda descreveu como o modo não dualístico de ver as coisas. Se olhar as coisas desse modo, entenderá que o lixo é capaz de se tornar uma flor e a flor é capaz de se tornar lixo. Cada vez que praticar a plena consciência – quando vive em plena atenção – você é um Buda. Quando vive no esquecimento, você é Mara. Mas não pense que Buda e Mara são inimigos e que passam o dia todo lutando entre si. Não. Eles são amigos. Aqui segue uma história que eu escrevi: Um dia, o Buda estava em uma caverna, onde estava fresco. Ananda, seu assistente, estava praticando meditação caminhando perto da caverna, tentando interceptar as muitas pessoas que sempre vinham visitar o Buda, de forma que ele não recebesse convidados o dia todo. Neste dia, enquanto Ananda estava praticando, viu alguém se aproximando. Quando a pessoa chegou perto, Ananda reconheceu Mara. Mara tentou o Buda na noite antes dele se tornar iluminado. Mara disse ao Buda que ele poderia se tornar um homem de grande poder – um político, um rei, um presidente, um ministro ou um bem sucedido homem de negócios com dinheiro e lindas mulheres – se ele desistisse de sua prática de plena consciência. Mara tentou duramente convencer o Buda, mas não funcionou. Embora Ananda tenha se sentido desconfortável ao ver Mara, Mara já o tinha visto, portanto não poderia se esconder. Eles se cumprimentaram. Mara disse: “Eu quero ver o Buda.” Quando o líder de uma corporação não quer ver alguém, ele pede para sua secretária dizer: “Desculpe, ele agora está em uma conferência.” Embora Ananda quisesse dizer algo assim, sabia que estaria mentindo e ele queria praticar o Quarto Treinamento - não mentir. Portanto ele decidiu dizer o que estava em seu coração para Mara. “Mara, porque o Buda deveria vê-lo? Qual o motivo? Você não lembra que foi derrotado pelo Buda sob a árvore de Bodhi? Como você ousa vê-lo de novo? Não tem vergonha? Porque ele deveria vê-lo? Você é seu inimigo.” Mara não foi desencorajado pelas palavras do Venerável Ananda. Ele apenas riu enquanto ouvia ao jovem. Quando Ananda terminou, Mara riu e perguntou: “Realmente seu professor diz que tem inimigos?” Isto fez Ananda ficar muito desconfortável. Não parecia correto dizer que o Buda tinha inimigos, mas ele disse! O Buda nunca disse que tinha inimigos. Se você não está concentrando muito profundamente ou plenamente consciente, pode dizer coisas que são contrárias ao que você sabe e pratica. Ananda estava confuso. Ele entrou na caverna e anunciou Mara, esperando que seu professor dissesse, “Diga a ele que não estou em casa!” ou “Diga a ele que estou em uma conferência.”Para surpresa de Ananda, o Buda sorriu e disse: “Mara! Maravilha! Peça a ele para entrar!” Ananda estava perplexo pela resposta do Buda. Mas ele fez o que o Buda disse e convidou Mara para entrar. E você sabe o que o Buda fez? Ele abraçou Mara! Ananda não podia entender isso. Então o Buda convidou Mara para sentar no melhor lugar da caverna e virando-se para seu amado discípulo disse: “Ananda, você poderia ir e nos preparar um chá de ervas?” Como você deve ter adivinhado, Ananda não estava muito feliz com isso. Fazer chá para o Buda era uma coisa – ele poderia fazer milhares de vezes ao dia – mas fazer chá para Mara não era algo que ele queria fazer. Mas como foi o Buda que pediu, ele não poderia recusar. Buda olhou amavelmente para Mara. “Querido amigo”, ele disse, “como tem passado? Está tudo bem?” Mara respondeu: “Não, as coisas não vão bem, elas vão mal. Estou muito cansado de ser Mara. Quero ser outra pessoa, alguém como você. Onde quer que você vá é bem vindo e as pessoas te reverenciam. Você tem muitos monges e monjas com faces amáveis te seguindo e te oferecem bananas, laranjas e kiwis.” “Onde quer que eu vá”, Mara continuou, “tenho que vestir a persona de um demônio – tenho que falar de uma maneira convincente e manter um exército de pequenos demônios maliciosos. Cada vez que expiro, tenho que respirar fumaça do meu nariz! Mas eu não ligo muito para essas coisas; o que me aborrece bastante é que meus discípulos, os pequenos Maras, começaram a falar sobre transformação e cura. Quando eles falam sobre liberação e budeidade, não posso suportar. É por isso que eu vim para te pedir se podemos trocar os papéis. Você pode ser Mara e eu serei Buda. Quando o Venerável Ananda ouviu, ficou tão aterrorizado que pensou que seu coração poderia parar. Como ficaria se o Buda decidisse trocar papéis? Então Ananda seria o assistente de Mara! Ananda esperou que o Buda recusasse. O Buda calmamente olhou para Mara e sorriu. “Você acha que é fácil ser um Buda?” Ele perguntou. “Pessoas estão sempre me entendendo mal, colocando palavras na minha boca. Eles constroem templos com estátuas minhas feitas de cobre, gesso, ouro e até mesmo esmeraldas. Grandes multidões me oferecem bananas, laranjas, doces e outras coisas. Ás vezes sou carregado em procissão, sentando como um bêbado em cima de flores. Eu não gosto de ser esse tipo de Buda. Muitas coisas danosas foram feitas em meu nome. Portanto, você pode ver que ser um Buda é também muito difícil. Ser um professor e ajudar a prática das pessoas não é uma profissão fácil. Na verdade, eu não penso que você gostaria muito de ser um Buda. É melhor se ambos continuarmos a fazer o que estamos fazendo e tentar fazer o nosso melhor.” Se você estivesse lá com Ananda, e se estivesse plenamente consciente, poderia ter sentido que Buda e Mara eram amigos. Eles se complementam como dia e noite, flor e lixo vindo juntos. Este é um profundo ensinamento do Buda. Agora você tem uma idéia de que tipo de relação existe entre Buda e Mara. Buda é como a flor, muito fresca e bonita. Mara é como o lixo – fedorento, coberto de moscas e desagradável de tocar. Mara não é de forma nenhuma agradável, mas se você sabe como transformar Mara, Mara se tornará o Buda. E se você não souber como tomar conta do Buda, ele se tornará Mara. Olhando as coisas desse modo, sabemos que os elementos não-rosa, incluindo o lixo, se uniram para tornar a rosa possível. Portanto o Buda é algo como a rosa. Mas se você olhar profundamente no Buda, verá Mara; Buda é feito de elementos de Mara. E quando você entende esse ensinamento budista, pode ver a vacuidade de tudo, porque nada tem sua própria existência absoluta. Uma rosa é feita de elementos não-rosa, por isso não tem existência separada; é por isso que é chamada vazia. Uma rosa é vazia de um eu separado, porque é sempre feita de elementos não rosa. Interser inclui tudo – não apenas o Buda e Mara, rosas e lixo – mas também sofrimento e felicidade, bem e mal. Pegue o sofrimento, por exemplo. Sofrimento é feito de felicidade e felicidade é feita de sofrimento. Bem é feito do mal, e mal é feito do bem. Direita é feita da esquerda e esquerda é feita da direita. Isto precisa daquilo para ser. Removendo isto, aquilo irá desaparecer. O Buda disse, “Isto é porque aquilo é.” Isto é um ensinamento muito especial do budismo. Portanto a prática da meditação budista começa com a aceitação da rosa e do lixo em nós. Quando vemos a rosa em nós, ficamos felizes, mas estamos conscientes que se não tomarmos cuidado disso, rapidamente se tornará um pedaço de lixo. Portanto, aprendemos como tomar conta de forma que ficará conosco mais tempo. Quando começa a deteriorar em lixo, não ficamos com medo, porque sabemos como transformar o lixo na rosa de novo. Portanto quando você testemunhar um sentimento de ansiedade, se você olhar profundamente para ele, verá uma semente de felicidade e liberação aí. É assim que a transformação acontece.

(Do livro “Under a Rose Aplle Tree” – Thich Nhat Hanh (Thây) – traduzido por Leonardo Dobbin)
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Sutra da Essência do Tatágata



Kanzeon

Palestra proferida por Monge Genshô
Sesshin de Carnaval:17 a 20 de fevereiro de 2007
Data:18 de fevereiro, período da tarde
Título: Comentários sobre Teishos de Taizan Maezume Roshi
Tema: Kanzeon
Decupada da gravação, digitada, editada e revisada por Denkô.

“O Dharma incomparavelmente profundo e de uma sutileza infinitas é raramente encontrado mesmo em milhões de milhões de ciclos universais.Possamos nós agora ouvi-lo,aprendê-lo e guardá-lo.Ouçamos cuidadosamente as palavras do Tatághata.”
Quem não sabe o que quer dizer Tatághata? Tatághata é um dos nomes de Buda, significa aquele que é, assim como é. Este tipo de afirmação é bastante profunda. Aquele que é, assim como é. Talidade é uma palavra que pretende traduzir suchness, em inglês, que quer dizer as coisas tal como são, exatamente como são. Isso é um conceito um pouco difícil à primeira vista porque parece que as coisas são como são, mas as coisas não nos parecem como são, nos parecem diferente daquilo que realmente são, por exemplo, quando eu não precisava de óculos, óculos era uma coisa que as pessoas velhas ou que não enxergavam bem usavam, depois, quando eu comecei a precisar de óculos, óculos passaram a ser uma coisa maravilhosa porque me permitem ler, pois sem óculos está tudo fora de foco. Portanto, as coisas mudam de acordo com a nossa percepção delas. Então, é através da nossa maneira de ver que as coisas manifestam as suas qualidades, são impregnadas da nossa percepção e não são como realmente são. Por exemplo, esta madeira desta casa, para um cupim, é comida, e para nós não, então nem o cupim nem nós sabemos o que é realmente a madeira. Cada um de nós tem uma imagem da madeira de acordo com a nossa visão pessoal. Esta nossa visão pessoal altera o mundo que nós vemos, o mundo percebido.
E poderia dizer que ninguém nessa sala vê as coisas tais como são. Exceto num momento iluminado. Por exemplo...estou tentando dar muitos exemplos porque sei que o conceito é difícil e sem exemplos ele não é entendido. Um antigo mestre hindu disse que uma linda moça sem sua pele é como um coelho esfolado. Isso quer dizer que os homens olham para as moças e as acham lindas, apenas com aquilo que eles emprestam para elas porque na verdade o corpo delas é o corpo de um animal. Nós como homens nos encantamos com a beleza por causa de hormônios nossos e condicionamentos da nossa própria natureza que é automaticamente feita para ver a beleza e o atrativo na bela moça, e da mesma maneira a moça olha para um belo rapaz e tem a mesma percepção distorcida porque empresta a ele qualidades que estão dentro dela, que ela quer ver, porque na realidade ele sem sua pele também é como um coelho esfolado. Thich Nhat Hanh diz que a madeira, que era o meu primeiro exemplo, na realidade é chuva, sol, carbono da atmosfera fixado, muitas coisas e quando nós olhamos a madeira nós não vemos a madeira. Nós não vemos as coisas tais como são porque vemos todo o tempo através do filtro da nossa consciência, conhecimento, experiência, gosto pessoal.
É isso que acontece, por isso talidade é um coisa tão importante porque a talidade é quando somos capazes de olhar uma coisa e vê-la exatamente como é sem mais nenhuma idéia, nem julgamento. Esse é um dos motivos porque nós treinamos tanto, ficar sentado, sem julgar e por isso que a instrução é: seja qual for o pensamento que se apresente na mente de vocês não julguem certo ou errado, bom ou ruim, só deixe que ele vá embora, sozinho. Não o persiga, não goste dele, não cultive bons pensamentos e memórias, não se horrorize com maus pensamentos, para que treinemos uma mente capaz de algum dia ser capaz de ver as coisas sem opiniões.(Comentário de Monge Genshô)


Kanzeon
(Cont.)

De modo que Maha Prajna Paramita significa
que a sabedoria se revelou agora,
não apenas como você, mas como toda a vida,
de tudo.
E nós a estamos vivendo!
E nós somos vividos por ela!
Isso é o que significa mahaprajnaparamita,
e é isso o que o Bodisatva Avalokiteshvara faz.


Neste trecho, há um conceito que originalmente em língua japonesa parece mais claro, que faz mais sentido. Na tradução para o português, assim como para o inglês não faz o mesmo sentido. A pergunta é: nós estamos vivendo ou é a vida que está nos vivendo? De certa maneira nós estamos vivendo, mas de outra maneira mais ampla a vida inteira está nos vivendo. Nós somos apenas parte da vida. Nós é que pensamos que somos especiais, indivíduos que precisam se iluminar para ver as coisas tais como são. Se vocês olharem pela janela e perguntarem, mas e esta árvore ali fora no meio de toda esta floresta ela precisa se iluminar? Não, ela não cogita, não pensa. Ela vive naturalmente. Como ela vive naturalmente nem teme a morte. Ela partilha a existência dela com a floresta. Ela não é indivíduo. É a própria floresta. Quando ela morre dela nascem outras árvores. Ela aduba o solo. Coisas assim acontecem. A floresta é que é o ser, o grande ser e as árvores em si nascendo e morrendo não tem muita importância. Existe um equilíbrio nisso. Nós conseguimos entender isso olhando para a floresta. Nós temos enorme dificuldade para entender olhando para os seres humanos. Quando morre um ser humano nós choramos ou nos entristecemos. Quando nascem nos alegramos, é assim porque nós vemos todos os seres humanos como indivíduos, porque olhamos para nós como separados. Se nós apagássemos esta noção de que somos indivíduos separados, e nos sentíssemos a humanidade, ou mais do que a humanidade, os seres sencientes, ou mais do que os seres sencientes, nos sentíssemos como - a vida; nascimento e morte não teriam mais importância. Por não conseguirmos enxergar assim é que tememos a morte, por isso nós sofremos, ficamos na margem de cá, porque a margem de lá seria a percepção com sabedoria de Prajna Paramita. A percepção da outra margem não tem essas angústias. Porque ela também não tem mais a noção de um eu. Budismo parece muito complicado. Falamos muito, ensinamos muito sobre muitos aspectos filosóficos, mas se nós fossemos resumir o budismo seria com isso – não há um eu. Não há um eu intrínseco a coisa alguma. Se nós conseguíssemos desconstruir esse eu tudo estaria resolvido. (Comentário de Monge Genshô)

No Hannya Shingyo nós lemos

Hannya Shingyo quer dizer o coração do sutra. Quando nós dizemos Sutra do Coração está errado, não é escritura do coração, na realidade o que chamamos de sutra do coração é o coração do sutra. O Prajna Paramita é uma coleção de quarenta sutras que explica a sabedoria, como o sutra do diamante, por exemplo. E o conceito de bodisatva é expresso magnificamente num texto curto que é o Hannya Shingyo que é o coração desses sutras, a essência desses sutras. Como é a essência, o coração do Sutra Prajna Paramita. Maka Hannya Shingyo.(Comentário de Monge Genshô)

Pergunta: por favor, de que ano e de onde é o sutra?
Resposta: Deve ser do século II, início da era cristã, na Índia. Os sutras Prajna Paramita foram escritos em sânscrito o que já é uma coisa interessante, porque as primeiras escrituras estão expressas em páli e Buda provavelmente falou o dialeto maghada da língua páli, o Cannon inicial foi escrito em páli, a linguagem normal da época. O páli que é uma palatização da língua anterior, uma pronúncia muitas vezes sem r, em páli sutra é sutta, dharma é dama, então o páli já é uma palatização ou seja a língua torna-se mais suave. Uma coisa que vem acontecendo com o português por exemplo, nós dizemos fato mas há 100 anos em português era facto, era conectivo e hoje nós dizemos fato, conetivo. Então, o português vem sofrendo palatização e o páli a mesma coisa em relação ao sânscrito que era a língua mais antiga, a língua mãe. Os Sutras Prajna Paramita, foram escritos em sânscrito porque os budistas tinham se tornado eruditos, tinham universidade etc então a língua mais própria, para escrever era a língua mais nobre, a mais antiga, a língua culta. Então a gente pode bem ver qual é a origem, como o sutra foi escrito? Se foi escrito em páli é uma coisa, se é um sutra escrito em sânscrito, é outra, há ainda sutras escritos em chinês e transcritos para o sânscrito para parecerem mais antigos.

No Hannya Shingyo nós lemos.
Fazendo profundo prajanparamita...
e Dogen Zenji diz, aqui, de uma bela maneira:
Clara visão do corpo inteiro...
...
Como pode o corpo ter visão clara?
...
O corpo inteiro, ele mesmo é a própria visão!
...
O corpo todo é!
Esse tipo de visão não dual
é o que significa transcendente.

Essa questão da dualidade é bastante importante no Budismo Mahayana. No Cânon páli e no budismo mais antigo as coisas são claramente separadas em certas ou erradas. Isso é certo, isso é errado. Isso é bom, isso é ruim. Essa é uma prática com a qual nós começamos, nós temos isso no Zen, quando fazemos a cerimônia de preceitos, o Jukai, usamos os preceitos, nós damos regras claras, não matar, não roubar etc são regras que dizem isto é certo, aquilo é errado. Quando nós chegamos no Budismo Mahayana, Nagarjuna começa a explicitar a questão da não dualidade e da vacuidade. A questão da não dualidade é um passo a mais que diz que não existe esta divisão clara, isso pode deixar alguns budistas confusos, porque de um lado a nossa conduta pode ser classificada em certo, errado, convencionalmente. De forma absoluta é que não se pode dizer isto. No exemplo da árvore que nós estávamos dando no início, eu disse: nascimento e morte para ela não existe, esta é a visão não dual e ela é a própria vida e a vida continua, não nasce nem morre, essa é a visão não dual, mas do ponto de vista convencional nós sabemos esta árvore nasceu e vai morrer.(Comentário de Monge Genshô)

Pergunta: na linguagem relativa, uma percepção relativa?
Resposta: Sim, do modo relativo é assim mesmo, nasce, morre, estraga, seca, no modo absoluto não, não é assim não tem morte nem nascimento porque nós estamos olhando a floresta e a floresta continua. Lá no topo do morro se forma uma nuvem que estou vendo quando o vento passa e sobe a umidade do ar se condensa e forma-se uma nuvem com gotículas de água. Aquelas gotículas passam para o outro lado, sobem, mas a nuvem está sempre lá no topo do morro porque se tem sempre vento subindo, condensando fica lá a nuvem. Não é a mesma nuvem, mas é a mesma nuvem.

Pergunta: Só trocou as substâncias?
Resposta: Exatamente, você trocou a substância do seu corpo, só que é menos visível na questão da nuvem, mas é isso mesmo.Você perde ferro, ingere ferro, vai trocando as substâncias que estão no seu corpo como a nuvem, então de uma certa forma é o mesmo e não é o mesmo. Em sua substância não é o mesmo, mas na sua manifestação que nós estamos vendo é a mesma pessoa. Essa é a diferença entre relativo e absoluto. Tem um poema famoso chamado Sandokai sobre o relativo e absoluto que nós recitamos freqüentemente em cerimônias também.

Pergunta: Somos nós também parte do fluxo cósmico?
Resposta: Sem dúvida nenhuma.Nós é que pensamos que não somos. Nós é que pensamos que somos eu aqui agora e depois eu nasci e eu vou morrer porque eu estou pensando e olhando e vendo os outros, porque eu estou vendo então é um sonho .Eu estava conversando sobre isso com Saikawa Roshi e eu disse... é um sonho. E ele disse, assim: mas é um sonho tão vívido... porque o que acontece aqui agora, é o nosso sonho de que estamos aqui agora sentados ouvindo uma palestra do Dharma num retiro, é um sonho muito vívido, parece verdade mesmo, parece completamente real, mas na verdade ele só ocorre dentro da nossa mente, dentro do nosso cérebro.
E a pergunta é: mas se se apaga meu cérebro, se eu morro, onde está esse universo? Quem sou eu realmente? No budismo nós queremos responder essa pergunta com uma percepção profunda em vez de ficarmos nos iludindo com histórias de que somos uma alma que vai trocando de corpo ou espírito ou coisa assim, nós queremos atingir essa compreensão profunda do sonho do nosso eu aqui agora e descobrir e perceber que nós não somos essa pessoa que nasceu e vai morrer. Nós não somos estes condenados à morte que estão todos sentados aqui nessa sala e isto é que significa libertar-se da morte também e de todos os apegos e sofrimentos. Esta é a liberdade, entender, alcançar a nossa verdadeira natureza que não é a desse ser que está aqui agora com esse corpo, vivendo o primeiro dia do resto das nossas vidas a cada dia. Esta idéia é bem clara, amanhã começa o resto das nossas vidas. Amanhã é o primeiro dia desse resto. Está terminando e cada dia não se repetirá. É menos um. Mas quem somos nós? Estamos pensando isso, esse fenômeno do nosso cérebro funcionando, essa ilusão que fecha os olhos, dorme e tem outra ilusão, quem somos nós realmente além desse sonho momentâneo? Esta não é uma resposta para ser dada com uma solução de fé. No Zen o monge não vem aqui e diz assim: é assim, acreditem. Não é assim, tentem e descubram através da meditação quem são realmente, porque posso dizer algumas coisas a respeito, mas não posso dar respostas para ninguém, todo mundo tem que ver com os seus próprios olhos e cada um vê com os seus próprios olhos. Quando a gente consegue responder a pergunta “quem é você?” para um mestre, de forma satisfatória, é uma libertação deste papel que estamos representando, é uma solução, é uma realização espiritual libertadora e é isso que a iluminação é – libertação dessa condição de nascimento e morte.

Transcendente.
Não algo a ser transcendido,
mas a vida de cada um de nós é transcendente.
Essa é a vida que estamos vivendo,
e, quando você realmente compreende isso,
significa compreender o que é o todo,
não fica tão difícil,
e vivê-lo também não.
Você compreende que não existe
outro jeito que você possa viver.
Não é algo
que deva tentar realizar
amanhã.

Este prajna e os cem gramas
são sinônimos de Mu-ji e, definitivamente,

Mu-ji é uma referência ao primeiro koan de mumonkan. Mumonkan é uma coletânea de koans e o primeiro é o cachorro de Joshu. Um monge perguntou para Joshu: o cachorro tem natureza búdica? Joshu respondeu: mu. Mu significa nada, não, literalmente.Mas esse koan é resolvido perguntado assim: o que é mu? Onde está mu? Mostre-me mu agora nesta cadeira, mostre-me mu no seu sapato. (Comentário de Monge Genshô)

Pergunta: Mu significa nada não?
Resposta: Literalmente, nada não. Mu é uma partícula negativa. Há muitas considerações. O comentário no Mumonkan diz: se você resolver esse koan ganhará uma grande espada e com ela você poderá cortar a cabeça do seu mestre e de todos os patriarcas. Este é o estado de libertação também.

Kannon Bodisatva também é,
como são cachorros e gatos
e nós mesmos.
Aqui e agora,
quero que vocês realmente apreciem a si mesmos
como Bodisatva Avalokiteshvera.
Vocês fazem shikantaza?Isso é ótimo.

Shikantaza é o que estamos fazendo, apenas percebendo, apenas sendo junto com todas as coisas.(Comentário de Monge Genshô)

É koan?Isso é ótimo.
Seja quem você for
ou o que quer que faça,
você pode apreciar sua vida como
Bodisatva Avalokisteshvera.

Dogen Zenji diz, no Bendowa
mesmo que uma pessoa sente
em shikantaza, zazen,
imprimindo o selo de Buda sobre
corpo e boca e mente,
todo céu, todo o espaço,
em outras palavras, o universo inteiro,
tudo se torna o selo de Buda.

O que ele está tentando dizer é que se sentamos em shikatanza, colocamos o selo de Buda em todas as coisas. Então, elas todas manifestam o absoluto, porque se sentamos e percebemos sem julgamento, as coisas podem mostrar a sua talidade, porque o que nos impede de ver a talidade é nossa opinião. Por isso é tão fácil ver o estado dos alunos quando eles se manifestam, porque a manifestação tem ou não tem ego, quanto tem de ego, quanto é desejo de aparecer, opinião, quanto é eu, fica fácil.Uma vez estava com um grupo de alunos do Zen e pedi que cada um falasse sobre a sua experiência, eles falaram, alguns de forma bem bonita. Mas um disse: eu precisava dar uns comunicados sobre coisas que estava fazendo para a Sangha, falou e calou. Eu pensei: que mente maravilhosa, porque quando pedimos para ele falar ele não estava pensando nele, ele estava pensando na comunidade, então naturalmente da sua boca saiu o que ele estava fazendo e não deu nenhuma opinião pessoal. Ele realmente mostrou sem querer uma qualidade.(Comentário de Monge Genshô)

Qualquer coisa, todas as coisas são uma manifestação
de Mahavairochana Buda.

Maha vocês sabem é grande, Vairochana é um dos Budas transcendentes, Buda de sabedoria normalmente é apresentado fazendo gesto de sabedoria. Literalmente Mahavairochana quer dizer como um sol. Aqui é bem uma questão etnocêntrica. A gente fala Mahavairochana Buda e as pessoas dizem: quem é este Buda? Como é a estátua dele? Eu sou devoto de Mahavairochana Buda, por exemplo. Ele é apenas um dos aspectos de manifestação de Buda, não é um ser em particular.(Comentário de Monge Genshô)

Isso é Mu-Ji.
Isso é dharmakaya.
Por isso é que entoamos
puro darmakaya Vairochama Buda.
Nós não estamos apenas balbuciando palavras.
Elas têm implicações muito claras!
Darmakaya, isto é, Um.

Darmakaya é toda essa manifestação absoluta. É darmakaya se manifestando e esse é também um dos aspectos de Buda. Nós recitamos na oração das refeições – Darmakaya Vairochana Buda.(Comentário de Monge Genshô)

E Mu parece ser
o Buda Mahavairochana,
e Mahavairochana Buda parece ser
uma centena de gramas,
e cachorros também.

É por isso que Dogen Zenji diz, no Fascículo de Kannon, que o
Bodisatva Avalokiteshvara
É o Tatagata com o nome de Sho-Bo-Myo,
Iluminação do Darma Correto.

E de fato, todos vocês
tem a sabedoria e compaixão de Kanzeon.
Isso é o que apreciamos juntos
e fazemos mais e mais iluminados.
Iluminados, não de um modo brilhante, pomposo,
mas iluminados através da nossa ação!
A maneira como fazemos uma reverência,
a maneira como fazemos gassho,
a maneira como andamos,
a maneira como servimos.