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sábado, 28 de março de 2009

Gracias a la vida


Não sabia que meu corpo, fala e mente ilusórios suportariam a agonia de esperar minha mãe ser operada, cirurgia marcada para as onze da manhã e protelada para um horário desconhecido, a nervosia e a irritabilidade dos irmãos, o medo, a imprevisibilidade, a impotência, tudo junto. Um pesadelo que dele se acorda quando termina tudo bem. Relativamente.
Só o que queria era ficar perto, olhar nos olhos dela. Minha irmã se cansou – dá trabalho! – e me pediu isso. Tudo o que eu queria. Arrumei uma sacola com o mínimo possível para passar um dia, uma noite e uma manhã com minha mãe no hospital. Não me importava o que poderia encontrar lá, o que me esperava. Simplesmente fui com o coração aberto, os braços e as mãos também.
Quando cheguei, ela já me presenteou com um sorriso, triste, mas um sorriso. Não queria comer, bebia pouco líquido. Brinquei falando que agora havia chegado a hora da minha vingança, pois, quando pequena, eu não comia e ficava de castigo, ganhava leves palmadas e beliscões que ela não era de violência, apesar de autoritária.
Não me importei. Dei comida na boca, penteei seus cabelos, ajudei a escovar os dentes, ofereci a comadre, lavei tudo o que era necessário, fiz tudo que ela me pedia. Até assisti Big Brother!
Quando dormia ou cochilava, balbuciava muito, falava coisas sem nexo e a única frase que entendi foi quando ela disse, mesmo embriagada, que eu estava lá.
Os médicos disseram que era efeito da anestesia e do remédio para dor à base de morfina que causavam confusão mental.
Uma hora me assustei. Ela acordada, de olhos abertos e olhando para mim disse que eu tinha que ir ao quarto de empregada buscar um sapato que estava lá e que era para lavar. Eu disse que nós estávamos no hospital, mas ela repetia com vigor a mesma ordem. Concordei e ela dormiu de novo mais um pouco.
À noite, perguntei-lhe o que achava de usar de fralda para dormir melhor. Ela gostou da idéia. Tomou um banho de leito e os enfermeiros lhe colocaram a fralda. Aquietou-se. Assistimos ao jornal, novela, Big Brother e, ao ver que ela já dormia, desliguei a televisão.
Acordou de manhãzinha com a fralda cheia e reclamando que se sentia suja, que queria um banho imediatamente, a autoritária de sempre! A minha mãe de sempre!
- Mas o hospital está cheio, mãe! Passei pelo corredor e vi pessoas mil vezes pior que você! Calma!
Inútil! Ela exigia! Tive que sair do quarto e chamar os enfermeiros. Outro banho, outra roupa de cama, outra camisola. Tudo limpinho. Pronto!
Hora de tomar o café da manhã; meia caneca de café com leite e um pãozinho doce e ela disse que comeu demais. Depois se deixou ficar calada, olhando para o tempo, pensativa e eu também.
Aos poucos foi voltando a ser a minha mãe porque já não tomava mais os remédios fortes que lhe causavam confusão mental, ânsia e enjôo, motivo pelo qual ela não conseguia comer.
Aí começou a especular o futuro. Disse que tinha medo de nunca mais andar, que só saía do hospital quando estivesse boa. Eu dizia para ter paciência que ainda faltava um mínimo de três meses de fisioterapia e que ela tinha que ver o lado bom das coisas. Pelo menos não sofria mais aquela dor horrível na perna, passou pela cirurgia ilesa, que era uma mulher forte, que descansou, que dormiu bem.
Pouco antes do almoço, chegaram meu pai e minha irmã. Dei a sopa na boca de minha mãe e despedi-me.
Vim para casa com meu pai que falou o tempo todo de lá até aqui desabafando. Ouvi.
Hoje meu marido levantou-se por volta das quatro e meia da manhã e com o barulho, me acordou. Ele sai cedo para trabalhar e eu dormi de novo. Minha cunhada diz que ele é workahollic. Eu prefiro ver o lado bom: antes workahollic do alcohollic. Antes sair às cinco horas do que chegar às cinco!
Isso é o tanto que a vida tem me dado: ensinamentos, práticas e a bodhicitta da ação. Gracias a la vida.