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terça-feira, 30 de março de 2010

A grande decepção

Sogyal Rinpoche
A maior parte de nós realmente vive assim, de acordo com um plano pré-ordenado. Passamos a juventude sendo educados. Achamos então um emprego e encontramos alguém com quem nos casamos e temos filhos. Compramos uma casa, tentamos ser bem sucedidos em nosso negócio e lutamos por sonhos como os de possuir uma casa de campo ou um segundo carro. Saímos de férias com os amigos. Planejamos nossa aposentadoria. Os maiores dilemas com que muitos de nós nos defrontamos são onde vamos passar o próximo feriado ou quem convidaremos para o Natal. Nossas vidas são monótonas, insignificantes e repetitivas, desperdiçadas em busca de banalidades, porque parece que não conhecemos nada melhor.

O ritmo de nossas vidas é tão febril que a última coisa em que temos tempo de pensar é na morte. Abafamos nosso medo secreto da impermanência, cercando nossa vida de mais e mais bens, de mais e mais coisas, de mais e mais confortos só para nos tornarmos escravos de tudo isso. Todo nosso tempo e energia se exaurem simplesmente para manter coisas. Nossa única meta na vida logo se torna manter tudo tão seguro e garantido quanto possível. Quando mudanças ocorrem, encontramos o remédio mais rápido, alguma solução astuta e temporária. E assim nossas vidas transcorrem a menos que uma doença séria ou um desastre nos arranquem do nosso estupor.

E nem é que dispensemos tanto tempo e tanto esforço na vida. Pense nessas pessoas que passam anos trabalhando e aí se aposentam somente para descobrir que não sabem o que fazer consigo mesmas quando envelhecem e a morte se aproxima. Apesar do orgulho que ostentamos por nossa praticidade, ser prático no ocidente significa ter uma visão curta, ignorante e egoísta. Nossa focalização míope nesta vida e nesta vida apenas é uma grande decepção, fonte do frio e destrutivo materialismo do mundo moderno. Ninguém fala da morte e ninguém fala da vida depois da morte porque as pessoas são preparadas para acreditar que esse assunto só impede o chamado "progresso" no mundo.

Mas se nosso desejo mais profundo é verdadeiramente viver e seguir vivendo, por que insistimos teimosamente em afirmar que a morte é o fim? Por que ao menos não tentar e investigar a possibilidade de que possa haver uma vida depois? Por que, se somos pragmáticos como alegamos, não nos interrogamos seriamente: onde se situa nosso futuro verdadeiro? Afinal, ninguém vive mais de cem anos. E depois disso se estende a imensurável eternidade, inexplicada...

do "O Livro Tibetano do Viver e do Morrer" de Sogyal Rinpoche - Editora Talento - página 37.